Relatos de quem passou pela Academia Nacional de Polícia – ANP

Leia o depoimento do Agente Federal Sandro Araújo, que há mais de 20 anos dedica-se à Polícia Federal.

Onde Tudo começou: Academia Nacional de Polícia – ANP

O dia 25 de Agosto de 1996 era um domingo. Naquele dia, por volta das 19h, cheguei na Academia Nacional de Polícia, levado por um padrinho, que reside em Brasília. Após breve conferência do meu nome na listagem que havia na entrada, o policial de plantão me orientou e fui caminhando rumo àquele, que seria meu alojamento pelos próximos três meses.
Lá chegando, fui recebido por um dos colegas de quarto, o hoje Agente de Polícia Federal Ronaldo Martinez, proveniente do Rio de Janeiro, como eu. Em seguida, surgiram o Roger, também do Rio e o jovem ( acho até que o mais jovem da minha turma ) Ronald, do Maranhão.
Mais tarde, chegaram o Mendonça, da região norte e o polonês Knoblauch. Em seguida, Romerson Diniz, o cangaceiro. Lembro bem daquela primeira noite, das ansiedades, das dúvidas…lembro até do refeitório (eles gostam de chamar de restaurante ), repleto de alunos, das turmas de escrivão, delegado, perito e agente, que já estavam na Academia quando nós chegamos.
No dia seguinte acordei às 6h e segui para o restaurante. Às 7h estava formado no pátio, junto à minha turma, inicialmente designada Turma Fox. Ali eu percebi que havia uma doutrina bem próxima da militar, pela qual eu havia passado durante 20 meses da minha vida, como aspirante da Escola Naval. Os deslocamentos são feitos em passo ordinário, ou seja, marchando. A ordem unida é evidente, mas não aos extremos de uma instituição militar. Pouco tempo depois, a nomenclatura da minha turma mudou para Delta. E assim, acredito que fizemos história na ANP. Muita garra, muita vibração. Procuramos nos manter unidos, apesar de muitas diferenças pessoais. Tudo pelo objetivo comum de chegarmos até o fim do curso.
A Delta é até hoje, a fabulosa turma “faca na caveira”. Alguns colegas diziam que era “doença” minha essa mania de facas…quase todas as músicas falavam de facas…além de raça, disciplina, vibração e força.
Às sextas-feiras, todas as turmas que estiverem cursando na Academia são deslocadas para outro ponto do enorme pátio, onde é realizada a cerimônia semanal de hasteamento da bandeira. Ali há todo um aparato semi-militar, com um grupamento que escolta o pavilhão nacional, orador, hino e tudo mais.
O dia-a-dia é o mais complicado. Para mim, que já cheguei à ANP como chefe de família, com uma filha de dois anos recém completados, era particularmente difícil. Havia deixado uma vida estável e promissora para trás, para ganhar menos da metade do que ganhava na ápoca, em busca do ideal de ser policial. Sim, porque especificamente naquela época, era apenas o ideal que nos movia. O salário era muito, mas muito distante do que temos hoje.
A covivência vai do indiferente ao fraternal. É difícil o cotidiano com a miscelânea de origens, de hábitos, de naturalidades, como a que existe na Academia Nacional de Polícia. Apesar dos oriundos do sudeste prevalecerem, alunos de todo o Brasil dividem os espaços pelos meses de curso. Muitas vezes, os conflitos são inevitáveis.
Procurei ficar longe deles e quase consegui. Tive conflitos com outros alunos sim, mas nada grave, nada incontornável. Mas muitas estórias de pancadarias nos alojamentos eram difundidas na Academia.
Preferi criar uma rotina, para que o tempo passasse de uma forma mais adequada. Dediquei-me ao máximo aos treinos de defesa pessoal e educação física ( leia-se corrida ). Corria todos os dias em volta da Academia ou na pista. Ficava no dojo o resto do tempo livre. Não saí da ANP para absolutamente nada. Minhas noites eram totalmente dedicadas ao estudo. Ali, um décimo pode ser a diferença entre uma boa lotação e uma fronteira. Muitos deixaram-se levar pelos encantos da noite brasiliense. Para alguns, a bolsa de estudos, na época de 800 reais, era muito mais que qualquer salário que já haviam recebido em qualquer época da vida.
Naturalmente, hoje isso é diferente. O perfil dos alunos da Academia Nacional de Polícia mudou muito. A maioria chega lá de carro, usam notebooks em sala de aula, comunicam-se com a família a qualquer tempo via celular ou e-mail.
A própria Academia mudou. Posso afirmar, sem medo de errar, que é a mais bem estruturada Academia de Polícia da América Latina. Um belo lugar, de verdade.
Para nós, do concurso de 1993, foi distante disso.
Não tínhamos as Glocks.
Não tínhamos a Nissans.
Nada disso.
Atirávamos de 38, em um padrão tático, que o tempo mostrou ser ineficaz. Hoje, o aluno utiliza o mesmo padrão de cursos táticos específicos. Posição Chapman…Um salto tático-operacional.
Ali mesmo, na Academia Nacional de Polícia, percebi que trabalhar no RJ ou em SP seria sempre, no âmbito do Departamento de Polícia Federal, razão de discriminação e preconceito. Pouco tempo eu precisei para saber que os policiais do Rio e São Paulo estão, absolutamente, entre os melhores do Brasil.
E assim passei os meses de curso. Aprendendo a amar a Polícia Federal, dedicando-me ao máximo para voltar para casa, quase morrendo de saudades da família que eu já tinha.
No final, senti-me orgulhoso.
Fui o nono colocado no meu curso de 200 alunos. Garanti vaga para o Rio de Janeiro.
Outra fase iria começar e quase tudo o que aprendi na ANP eu seria obrigado a esquecer para sempre, para que pudesse me tornar um policial de verdade.

Fonte: http://sandro-anjodanoite.blogspot.com.br/

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